Dierle Nunes comenta algumas questões de direito intertemporal com o Novo CPC



OPINIÃO

Algumas soluções de direito intertemporal com o novo CPC

15 de março de 2016, 8h17

Por Dierle Nunes

Esta semana o Código de Processo Civil 2015 entra em vigor na próxima sexta-feira (18/3)e, como celebração, ocorrerá em São Paulo a sétima edição do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), encontro que promove debates horizontais, com elaboração de enunciados interpretativos, com boa parcela dos maiores pensadores do Direito Processual Civil brasileiro.

Neste momento, um dos grande desafios que se imporá para todos será a questão da aplicação normativa da nova Lei 13.105/2015 aos processos em curso em face da adoção normativa da teoria do isolamento dos atos processuais (artigos 14 e 1.046) que determina a aplicação da nova lei aos procedimentos em contraditório em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas.

Porém, uma série de situações concretas não se resolverão com a simplicidade que a adoção do princípio técnico parece fazer crer. Nesses termos, o objetivo deste breve texto será apresentar algumas soluções de direito intertemporal encontradas nos debates dos últimos encontros do FPPC para os  profissionais que militam em nosso sistema jurídico.

A primeira questão a ser resolvida diz respeito aos prazos iniciados antes da vigência (18/3) do novo CPC. Segundo entendimento firmado nas referidas discussões tais prazos deverão ser regulados pelo regime revogado, de modo que seu quantum e a contagem em dias úteis só se aplicarão aos prazos iniciados após a vigência do novo código (artigo 219, CPC-2015).

Para exemplificar, imaginemos que o juiz indefira um pedido de tutela provisória cautelar e o prazo para interposição do agravo se inicie em 16 de março. Em conformidade com o artigo 1.003, §5º do CPC-2015, o prazo para todos os recursos (com exceção dos embargos de declaração) será de 15 dias, contados em dias úteis. Isto poderia induzir o recorrente, na hipótese, a crer que poderia contar dois dias sob a vigência do sistema do CPC-1973 e os demais no sistema do CPC-2015 culminando o final do prazo no dia 5 de abril. Porém, como o prazo se iniciou sob a vigência do Código em revogação, deve ser contado de modo linear, seguindo o disposto no artigo 522, do CPC-1973, que o fixa em 10 dias, findando o prazo no dia 25 de março.

Outra questão importante diz respeito à ausência de duplicidade de prazos para litisconsortes diversos com procuradores diversos de escritórios distintos em processo eletrônicos. Sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça, sob a égide do CPC-1973, em decisão recente se manifestou no sentido de que  nos termos do artigo 191 do CPC, contar-se-ia em dobro o prazo para litisconsortes com procuradores distintos mesmo em processos eletrônicos de modo que a regra do novo CPC (artigo 229, § 2º), somente seria aplicada a partir de sua vigência. Ocorre que após sua vigência, como pontuado, pelo fato de o processo eletrônico permitir constante acesso aos autos por todos os sujeitos processuais tornou-se regra a ausência de duplicidade que se justificava em processos não eletrônicos.

No entanto, seguindo entendimento do FPPC e partindo-se do mesmo pressuposto antes visto não seria aplicado o disposto no artigo 229, §2º, CPC-2015 em prazos iniciados no regime do CPC de 1973 (artigo 191 e entendimento do STJ) com mantença da duplicidade de prazos na espécie.

Outra questão relevante toca à recorribilidade das interlocutórias e possibilidade de seu ataque tardio junto a apelação (em razões e contrarrazões), em conformidade com o novo sistema (artigo 1009, §1º).

Isto ocorre porque o CPC-2015 adota um modelo casuístico de cabimento de agravo de instrumento contra as interlocutórias, no seu artigo 1.015, de modo que as demais decisões proferidas no curso do processo (não tipificadas no rol deste dispositivo) serão atacáveis juntamente com a sentença em apelação.

No entanto, em conformidade com entendimento do FPPC, a possibilidade de impugnação tardia das interlocutórias, junto da apelação, somente se aplica para as decisões proferidas após a entrada em vigor no novo CPC (não previstas no rol do referido artigo 1.015), eis que as proferidas antes estarão acobertadas pelos efeitos da preclusão.

Ainda no mesmo tema, se houver na fase de conhecimento decisões interlocutórias já impugnadas por agravo retido, que somente será apreciado se a parte requerer expressamente nas razões ou na resposta da apelação sua análise como preliminar (artigo 523, CPC-1973), e outras proferidas sob a vigência do novo CPC e de seu artigo 1.009, §1º, haverá necessidade de se reiterar em apelação o conhecimento dos agravos retidos (apesar de seu desaparecimento no novo sistema) e se impugnar as interlocutórias não acobertadas ainda pela preclusão (fora do rol do artigo 1.015).

Perceba-se que aqui pontuamos algumas poucas, mas muito relevantes,  questões práticas que merecem ser conhecidas por todos de imediato e que já foram objeto de debate, servindo de norte interpretativo neste momento turbulento ínsito a qualquer transição.

E, como já dito há bom tempo, é hora de nossa doutrina cumprir seu papel reflexivo e de demonstração dos melhores caminhos e interpretações a serem seguidas sob a nova racionalidade e sistema dogmático propostos contrafaticamente pelo novo CPC. É hora de se adaptar e buscar a extração dos melhores frutos que a nova legislação traz consigo com responsabilidade e muita esperança de dias melhores para nosso sistema jurídico….

http://www.conjur.com.br/2016-mar-15/dierle-nunes-algumas-solucoes-direito-intertemporal-cpc

4 comentários sobre “Dierle Nunes comenta algumas questões de direito intertemporal com o Novo CPC

  1. Olá Doutor!

    Primeiramente, parabéns pelo blog e pela conquista da Magistratura.

    Recentemente li um artigo no Conjur sobre a não recepção da Sumula 410 STJ. Minha dúvida é a seguinte: em casos de aplicação de multa diária é necessário a intimação pessoal do autor, ou basta a intimação na pessoa do advogado?

    Aguardo seus comentários.

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    • Ei Daniela, muito obrigado!!!
      Contextualizando sua pergunta: o devedor de uma obrigação de fazer ou não fazer, pelo que leu num artigo no Conjur, não mais precisaria ser intimado pessoalmente para cumprir a obrigação, e consequentemente a multa aplicada pelo juiz poderia ser executada em caso de descumprimento. É isso?
      Acredito que neste caso realmente basta a intimação do advogado, caso o devedor tenha constituído um. Mas nem sempre haverá possibilidade de ser intimado na pessoa do advogado: se representado pela Defensoria Pública, quando não tiver procurador constituído, e quando tenha sido revel.
      Esta é a norma do artigo 513, § 2º, do novo CPC, inserida nas disposições gerais sobre o cumprimento de sentença/decisão, logo se aplica a todas as modalidades de cumprimento. Veja que no capítulo sobre o cumprimento dessa modalidade de obrigação específica, não há norma regulamentando outra forma de intimação, logo se aplica a regra geral acima mencionada. Espero que seja esta sua dúvida.
      Abraço,
      André

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  2. Ola. Dr.

    Não existe mais cumprimento provisório de obrigação de fazer nas ações em que o apelo só tem efeito devolutivo, como as ações civis públicas?

    Se assim for,a intimação da sentença feita na pessoa do advogado já produz efeitos de forma automática?

    O prazo para apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença seria também contado a partir da intimação da sentença?

    Parece bastante estranho ter que impugnar o cumprimento de sentença no mesmo prazo da interposição da apelação!

    Acho que essa situação vai confundir muita gente!

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    • Melina, muito obrigado por acompanhar o blog!!!
      Existe cumprimento provisório de obrigação de fazer sim. Havendo sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer e de não fazer ainda não transitada em julgado, eventual cumprimento/execução provisória dependerá de requerimento expresso do demandante, considerando-se que a execução provisória é uma mera faculdade do credor. Com o trânsito em julgado, entretanto, parece mais adequado o entendimento de que o juiz pode dar início de ofício ao cumprimento de sentença.
      Acontece que o cumprimento de sentença de obrigação de fazer não é regulado minuciosamente em razão de que o exequente e o juiz estão mais aptos a verificarem quais as medidas necessárias para a efetivação do direito material buscado, que pode variar muito caso a caso. Por isto, a lei é mais enxuta comparada com a obrigação de pagar quantia certa.
      Neste procedimento, seja provisório ou definitivo, o juiz, de acordo com o caso concreto, concede prazo para o executado cumprir a obrigação (Ex.: fazer um móvel de casa pode demorar menos tempo do que pintar toda uma casa, assim praquela obrigação o juiz concederia um prazo menor). Portanto, a intimação da decisão não produz efeitos automáticos, pois o juiz deve determinar prazo para cumprimento da obrigação de fazer (iniciado pós trânsito – definitivo -; ou pós requerimento – provisório) e o prazo legal da apelação será, invariavelmente o mesmo. Do cumprimento da obrigação de fazer não há a típica impugnação ao cumprimento prevista para a obrigação de pagar quantia certa, mas, apenas defesa por simples petição. O prazo desta defesa, no caso do cumprimento provisório, conta-se a partir da data do requerimento do cumprimento (lembrando que neste caso é necessário o requerimento), e o requerimento deve ser feito depois do prazo da apelação, já que neste último prazo o credor fica esperando a posição que devedor irá tomar: irá cumprir espontaneamente? irá apelar? ficará inerte?
      Então, não se confundem os momentos para a defesa do cumprimento de sentença com o prazo da apelação.
      Fonte de consulta: Manual de Direito Processual Civil – Daniel Amorim Neves.
      Abraço,
      André

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