AS TRÊS ONDAS RENOVATÓRIAS DO ACESSO A JUSTIÇA

Idealizado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth no livro “Acesso a Justiça”, as ondas renovatórias do acesso à justiça foram dividias em três, na seguinte ordem:

A primeira onda está relacionada à assistência judiciária aos hipossuficientes economicamente, que encontram dificuldade em ter acesso à justiça, visto os custos econômicos para dar início a um procedimento jurisdicional. O artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição da República, a existência da Defensoria Pública e o disposto nos artigos 98 a 102 do Código de Processo Civil, são expressões de materialização desta primeira onda renovatória do acesso à justiça.

A segunda onda diz respeito aos direitos transindividuais a serem defendidos em juízo, com enfoque em defender interesses difusos de forma mais eficaz, econômica e mais célere. O direito ao meio ambiente saudável, à vida, a proteção aos idosos, às crianças e adolescentes e a relação de consumo são exemplos de direitos a serem defendidos como interesses supraindividuais e de forma difusa, buscando-se um acesso à justiça para esses direitos de forma mais ampla e eficaz. O próprio sistema microprocessual, composto pela lei de ação civil pública, o código de defesa do consumidor, ação popular, mandado de segurança coletivo, mandando de injunção coletivo, dentre outros, é base para dar materialidade a esta onda.

Já a terceira onda está relacionada com a busca de meios para dar mais eficácia, celeridade e desburocratização ao processo. A própria Lei 9.099/95, referente aos Juizados Especiais, prevê um processo que busca a satisfação o direito de forma mais célere e eficaz, regulamentando mecanismos para tanto. Temos ainda a mediação, conciliação e arbitragem como exemplos claros desta terceira onda renovatória de acesso à justiça, trazida com mais detalhes no novo sistema processual cível. Alguns juristas criticam esta onda sob a justificativa de que direitos processuais básicos como o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal podem restar ameaçados.

A IMPARCIALIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA DO JUIZ

A imparcialidade diz respeito a forma de como o juiz deve conduzir um processo, fazendo um julgamento de forma justa, sem dar privilégios a alguma das partes e seguindo as regras matérias e processuais postas para cada caso.

Para assegurar a imparcialidade, o Código de Processo Civil nos artigos 144 e 145, prevê hipóteses de impedimento e suspeição que já colocariam presumidamente o julgador em uma posição naturalmente parcial diante de uma causa.

Podemos dividir a imparcialidade objetiva da subjetiva:

A imparcialidade objetiva busca um julgador que atue de forma a não cometer atos dentro de um processo que fuja da sua atividade judicante, tendo o dever de comportar conforme as regras processuais e de forma integra sem que dê espaço a prejulgamentos ou impulsos que o torne parcial. Um exemplo é quando um juiz prática um ato processual privativo do membro do Ministério Público ou do Defensor com intuito de beneficiar uma das partes.

Já a imparcialidade subjetiva, diz respeito ao foro íntimo do magistrado, aquilo que é intrínseco em relação aos seus valores éticos e morais. Esta imparcialidade subjetiva está mais ligada com a relação do caso concreto que é posto ao juiz e as partes que estão envolvias no processo. Temos como exemplo quando um juiz julga determinado caso de acordo com o seu ponto de vista político.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E A RESPONSABILIDADE PELO CUSTEIO DA CARGA INVERTIDA

A inversão do ônus da prova é instituto previsto no ordenamento jurídico com intuito de sopesar o encargo de produzir a prova em determinado processo, conforme a situação jurídica posta caso a caso.


A inversão pode ser dar ope judicis, quando a lei não determina de forma obrigatória, mas prevê casos que o juiz, em análise do caso concreto, possa fazer essa redistribuição do encargo probatório. Pode ser ope legis, quando a lei, de forma peremptória, em determinadas situações, já prevê de forma expressa a inversão probatória.


Em sede de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça analisou controvérsia de quem seria a responsabilidade pelo custeio da produção da prova caso houvesse a inversão do ônus da prova e também quanto a obrigatoriedade do custeio de sua produção.


Debatido o tema, ficou determinado pela Corte que a inversão do ônus probatório não transfere de forma obrigatória ao réu o encargo de produzir e custear a prova requerida pelo autor no processo. Neste caso, fica como opção daquele que recebeu o encargo probatório custear e produzir determinada prova em juízo.


Por outro lado, caso o titular do ônus de produzir a prova não o faça ou não assuma os encargos da prova a ser produzida, sofrerá as consequências da presunção de veracidade das alegações feitas pela parte contrária.


Assim, segundo relatado pelo Ministro Relator Herman Benjamin: “a inversão não implica transferência ao réu de custas de perícia requerida pelo autor da demanda, pois de duas, uma: ou tal prova continua com o autor e somente a ele incumbe, ou a ele comumente cabia e foi deslocada para o réu, titular da opção de, por sua conta e risco, cumpri-la ou não. Claro, se sujeito titular do ônus invertido preferir não antecipar honorários periciais referentes a seu encargo probatório, presumir-se-ão verdadeiras as alegações da outra parte.”

REsp 1.807.831-RO, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 07/11/2019, DJe 14/09/2020

EM AÇÃO DE USUCAPIÃO É POSSÍVEL A JUNTADA DA PLANTA E DO MEMORIAL DESCRITIVO APÓS A CITAÇÃO DO REQUERIDO, DESDE QUE NÃO MODIFIQUE O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR INICIAL

Primeiramente, importante salientar que a decisão aqui analisada foi embasada no Código de Processo Civil de 1973, uma vez que foi prolatada à época do antigo código, consubstanciando-se no princípio do “tempus regit actum” e do isolamento dos atos processuais.


Nos termos do artigo 282 do Código de Processo Civil de 1973, é dever do autor juntar em ação de usucapião a respectiva planta e o memorial descritivo, identificando e descrevendo de forma minuciosa o imóvel.
Em sede de Recurso Especial, chegou ao Superior Tribunal de Justiça controvérsia acerca da possibilidade ou não de juntada do memorial descritivo e da planta do imóvel após a citação do requerido na ação de usucapião.


Vale ressaltar que o artigo 264 do código antigo previa que “feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei”


Por outro lado, em outros julgamentos, já decidiu a Corte Cidadã que é permitida emenda da inicial após a citação, desde que não ocorra modificação do pedido ou causa de pedir (REsp 1.698.716/GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/9/2018, DJe 13/9/2018).


Assim, neste mesmo diapasão, decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça que é possível a apresentação da planta e memorial descritivo após a citação e apresentação de defesa pelo demandado, desde que esse fator não altere o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial e que não altere de forma objetiva as descrições do imóvel já relatadas.


Vale ressaltar que a Quarta Turma deste mesmo Tribunal tem entendimento no seguinte sentido: “após a citação e sem o consentimento do réu, a apresentação de memorial descritivo, trazendo alteração nos elementos identificadores do imóvel usucapiendo constantes da petição inicial, consubstancia manifesta violação à regra do art. 264 do CPC”. Observa-se que esta turma inadmite a juntada do memorial e da planta após a citação quando houver alteração nos elementos identificadores do imóvel usucapiendo descrito na inicial.


Por fim, acreditamos que está razão de decidir deve permanecer após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que os dispositivos legais do antigo código analisados na decisão não sofreram mudanças substanciais com a entrada do novo código a ponto de modificar este entendimento da Corte Superior.


REsp 1.685.140-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020

A EXECUÇÃO DE TÍTULO FORMADO EM AÇÃO COLETIVA NÃO PODE SER PROPOSTA NOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA

Através de Recurso Especial, chegou ao Superior Tribunal de Justiça controvérsia sobre a possibilidade de título formado em ação coletiva ser executado no Juizado Especial da Fazenda Pública.


Conforme relatado no julgado, o Juizado Especial da Fazenda Pública não tem competência para ações que discutem direitos ou interesses difusos e coletivos, conforme consta no artigo 2º, § 1º, I, da Lei n. 12.153/2009. Esta mesma lei prevê apenas a competência para execução de títulos judiciais dos próprios julgados.


Segundo a Corte, o fato da própria lei não atribuir competência para o Juizado Especial da Fazenda Pública já constitui argumento suficiente para que a execução de títulos formados em ações coletivas não tramite neste juízo.


Apesar da lei n. 12.153/2009, em seu artigo 27, prever a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, da Lei n. 9.099/1995 e da Lei n. 10.259/2001, ainda assim não gera argumentos para sustentar a tese de execução de ações coletivas perante o Juizado Especial da Fazenda Pública.


A Lei n. 9.099/1995, no art. 3º, § 1º, prevê a execução apenas dos seus próprios julgados.


No mesmo sentido o art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001, normatiza a competência para “executar as suas sentenças”.


Já o Código de Processo Civil, em seu artigo 516, estabelece algumas competências quanto aos títulos formados por meio de sentença. No entanto, mais uma vez, não prevê a execução de título coletivo no âmbito dos Juizados Especiais, voltando-se, assim, a aplicação da lei especial n. 12.153/2009 para o caso.


Por fim, o Código de Defesa do Consumidor, que é base do microssistema processual coletivo, estabelece a competência para a execução das ações coletivas no juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual, não dando liberdade para interpretação de que o títulos formados em ações coletivas pudessem ser executados perante Juizados Especiais.


Desta forma, os Juizados Especiais da Fazenda Pública não têm competência para a execução de título executivo formado em ação coletiva, não podendo, ainda, impor que o juízo comum competente utilize na execução o rito sumaríssimo previstos nas leis de Juizados.

REsp 1.804.186-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/08/2020, DJe 11/09/2020 (Tema 1029)